O ônibus parou no sinal. Minhas pernas balançavam. Eu, ali dentro, parada e atrasada pra aula. Foi quando ela surgiu, atravessando a rua. Carregava um sacão preto de lixo; seguia sua mãe, que empurrava um carrinho repleto de entulhos.
E quando me deparei com aqueles olhos negros, já havia submergido em seu mundo. Na negrura da fome; na negrura da sede; na negrura da necessidade; na negrura do medo. Ela tinha fome de bondade; tinha sede de respeito; necessidade de cuidado e; medo do escuro. Não do escuro que é visível. Mas aquele escuro na alma das pessoas, que se alimenta de solidão. Que nos cega diante do seu grito de socorro. Um grito abafado que corta, machuca. Um pedido que humilha, que fere. Aquele que fingimos não ver e escutar. Aquele que nos bitola, que nos deixa alheio ao que acontece a nossa frente. Aquele pedido... O sinal abriu. E nunca vou me esquecer dela. De seus olhinhos de nunca mais.
Priscila Lima