E lá estava ele dormindo embaixo do banco do ônibus. Naquele momento eu sentia... Não sei ao certo o que senti. Não era tão ruim quanto pena. Também não era tão bom quanto pena. E surgia dentro de mim uma revolta,uma raiva que me consumia. Ele sentia tanto frio e queria aquecê-lo com todo meu ódio pelo mundo que tinha feito aquilo com ele. Ele sentia fome e eu só queria alimentá-lo com uma parte de mim. E eu lá olhando. Era a visão mais bela e triste que eu já tinha visto. Ele era perfeito. E eu vi como eu era um nada diante daquilo. Como eu era incapaz,como eu era pequena. E como ele me esmagava com toda sua miséria. E eu fechei os olhos pra fugir daquele quadro mas quando os abri,ele ainda estava lá. Mais vivo,mais miserável e maior do que antes. No ônibus, as pessoas eram indiferentes diante dele,algumas até notavam sua presença mas o sentimento quando o percebiam ali era de repulsa. E eu sentia repulsa. Deles e de mim. Eu era repulsiva e todos ali eram também mergulhados em suas pequenas preocupações fúteis. E ele lá carregando o peso do mundo nas costas. Sim, a sua cruz era mais pesada que a minha. Era mais doída que a minha. Pra que fui olhar pra fora de mim? Por que deixei de olhar pro meu umbigo? Levantei pra dar sinal e descer do ônibus. E o olhei de novo,era nossa despedida. Ele tinha me ensinado tanto. E ali eu me refleti nele e ele se refletiu em mim. Eu o reconheci. Mas não me reconhecia mais.
Situação triste da nossa sociedade estratificada. Mas vamos continuar lutando contra essa situação da forma que estamos acostumados, armados com um sorriso no rosto e com amor no coração.